28 abril 2009

E quando ela acorda


E ela escovava os cabelos. Com tanta força que pareciam desprender-se da cabeça.
Bem, ás vezes fico confusa se a força era realmente atribuídas aqueles cabelos lisos e compridos. Às vezes acredito que seria algo mais profundo.
De certa forma ela também sabia da profundidade daquela escovação, para cima e para baixo, num ritual quase que místico de movimentos.
Aliás, se arrumar era todo um ritual. Uma verdadeira penúria. Ou um magnífico prazer. Sabe-se lá. Para muitos prazer é penúria e para outros tantos penúria é prazer.
Primeiro a roupa de baixo. Cuidadosamente separada na gaveta, se amarrotar. De cores iguais, sempre combinando com mais algum acessório: brinco, pulseira ou algo assim. Nunca se sabe NE, melhor andar prevenida. (e prevenida inclui avassaladora). Típico de quem sai para arrasar (e arrasar no mais literal sentido da palavra).
A saia pede para ser abaixada, mas ainda assim ela não o faz. Deixa aquele meio vão ente a peça cinza e a blusa cor-de-rosa. Claro, não podia ter outra cor. Assim, um pouco de discrição com uma pitada de audácia chamariam mais a atenção na rua: quietinha ou malvada? Eis a questão que iria assombrar a vida de outros tantos homens naquele dia. Talvez essa era realmente a intenção dela, talvez não.
Os brincos num tom bronze combinavam com sua pele lisa e aparentemente macia. Desciam até a curva do pescoço acentuando esse mero detalhe fatal. De encontro (e na mesma altura) da boca, com aquele batom coberto pelo gloss num tom rosado mas no fundo avermelhado. Outra vez com tom avassalador.
Os sapatos cuidadosamente limpos e brilhosos, sugerindo uma impressão de executiva. Saltos medianos, acentuando as pernas finas mas atraentes.
Ainda assim ela reclama do salto com um leve descascado. Duro ter um pedra ou uma montanha atrapalhando seu mundo perfeccionista.
Na cozinha quase surta: as louças do dia anterior ainda estavam lá, sujas e intactas. A taquicardia volta e sua amiga corre perigo (quase de morrer). Conta até um milhão,m desiste do café e resolve tentar seguir a vida numa boa, apesar da cozinha. Se lembra do cachorro e vai alimentá-lo, até descobrir que ele mordeu seu tênis de trabalho. (de trabalho sim, pois tem um pra caminhada, outro pros esportes radicais, outro pra bicicleta, etc., todos combinando com alguma paixão desiludida). Dá vontade de matá-lo, mas ela mentaliza “ainda não sou uma assassina”. Ainda presume que algo ainda possa acontecer. Mas deixa pra lá. O relógio do celular avisa que existem outras coisas a fazer.
Passa pela sala. Mais um surto: o sofá todo amarrotado, “maxarunfado”, como gostava de descrevê-lo nessas situações. Sorte da casa vazia, que respondia os pensamentos em formas de gritos com ecos que mais pareciam uma discussão. Tudo bem, agora chega aos dois milhões.
Finamente chega à porta da sala, saída para o inferno, como gostava de pensar em algumas situações. Já imaginava a notícia ruim do jornal logo na esquina. Sim, porque segundo ela, o lugar do caos era sempre próximo a onde ela estava. Logo ela se sentia o verdadeiro caos do mundo. Murf, nessa ocasião, era casado com ela. Ela bem havia tentado se separar, mas foram tentativas tão inúteis que resolveu deixar simplesmente de lado.


Fiction (continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário